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Fotografia Contemplativa I - o que é?

A Fotografia Contemplativa é uma técnica fotográfica de origem oriental, ligada à meditação e budismo, que coloca a fotografia presente em seu dia-a-dia e busca mostrar a riqueza e beleza do cotidiano, normalmente ocultos pela visão conceitual, bem como nos reconectar à nossa própria percepção.

A ideia é ter "o bom olho", ou seja, ver com clareza e frescor, clicar com o coração, notar os milagres do dia-a-dia que normalmente passam despercebidos. Enfim, fotografar com esse estilo é ter o olho mais atento que o normal, e bem afinado com o coração! É um conceito de fotografia muito diferente, onde o importante é o fazer, e não o resultado, e sendo ligado à meditação é também uma reflexão de si mesmo.

Como uma prática ligada à meditação visa trazer nossa visão para o presente, abrindo nossos olhos e permitindo ver o “novo” no cotidiano. Antes de uma técnica fotográfica é uma forma de ver o mundo e de viver. Essa prática e tem causado forte impacto na minha forma de ver o mundo e até de viver. Por isso pretendo neste artigo compartilhar um pouco dessa experiência.

É importante ressaltar que Fotografia Contemplativa é um fazer, e não o resultado. Por isso o que fizemos antes de conhecer a fotografia contemplativa pode até parecer de alguma forma, mas não é realmente.

“A prática da fotografia contemplativa liga-nos com essa consciência panorâmica não conceitual e fortalece essa ligação por meio de treinamento. A prática em si mesma consiste de três partes, ou estados. Primeiro aprendemos a reconhecer vislumbres de ver e do estado contemplativo da mente que ocorrem naturalmente. Em seguida estabilizamos essa ligação olhando mais profundamente. Finalmente fotografamos do interior desse estado da mente.” The Practice of Contemplative Photography, de Andy Karr e Michael Wood

Muitos acreditam que, para se tornar um bom fotógrafo, é preciso ter um talento nato, ou passar por um árduo treinamento técnico e dispor de equipamento sofisticado. Claro que estes três fatores são importantes, mas talento, treinamento técnico e equipamento são, por definição, limitados. Porém, para ser um grande fotógrafo, é preciso também, ou melhor, é preciso acima de tudo, criatividade. E a criatividade é, por definição, ilimitada e inesgotável.

A Fotografia Contemplativa

Agora vamos falar da  Fotografia Contemplativa propriamente dita. Venho praticando este estilo desde 2011 e, com a leitura de “The Practice of Contemplative Photography: Seeing the World with Fresh Eyes”, de Andy Karr e Michael Wood, e a participação em uma oficina de dois dias com Andy Karr, pude me aprofundar ainda mais no tema, aproveitando a experiência destes mestres.

Após participar desta oficina, me sinto ao mesmo tempo mais e menos “entendedor” do assunto. Teoricamente entendi melhor a fotografia contemplativa, e também pratiquei de forma mais profunda. Por outro lado percebi como estamos distantes da verdadeira prática contemplativa, ou seja, como é difícil nos concentrarmos em uma simples tarefa: apenas ver.

A visão é um sentido natural, e naturalmente aguçado e rico. Mas temos simplificado essa ferramenta poderosa de apreensão do mundo, subestimado a inteligência plena de nossa visão. Acreditamos na grande inteligência de nossa “mente pensante” e não percebemos nossos outros tipos de inteligência. Ver, simplesmente, com os olhos e coração (não com a mente discursiva e conceitual), é um exercício que irei praticar cada vez mais, pois essa prática, acredito, pode nos levar a “abrir os olhos” para um mundo novo, fresco, amplo e lindo.

Podemos definir  Fotografia Contemplativa como clicar com o coração, notar os milagres do dia-a-dia que normalmente passam despercebidos. Fotografar com esse estilo é ter o olho mais atento que o normal, e bem afinado com o coração! É um conceito de fotografia oriundo do budismo e da meditação, portanto é uma reflexão de si mesmo, e sempre mostra algo sobre seu autor.

É preciso descondicionar o olhar para poder ver assim. Um bom exercício seria visitar lugares desconhecidos, para onde você iria sem saber previamente o que poderia ver. Mas o desafio é buscar o despercebido nos lugares que você já frequenta. Para quem está acostumado a usar a fotografia com algum propósito bem definido e estruturado, seja como trabalho ou arte, que tal deixar “rolar solto” um pouco, fotografar simplesmente o que chama sua atenção, pensando apenas na imagem e não em sua utilidade? Experimente!

Lembre-se que o melhor da viagem é o caminho, por isso abra os olhos para as surpresas da “estrada”, não tenha metas rígidas. Tenha a fotografia simplesmente como um prazer. A Fotografia Contemplativa é mais ligado ao “como” do que ao “o que”.

Banco vazio, dia vazio... Ao ver essa foto (é que eu vejo a foto antes de fotografar) eu vi uma imagem muito triste, pensei em vazio, escuridão, limo, frio, abandono... eu estava num dia meio pesado, com um pouco de dor nas costas, numa sala vazia esperando uma reunião. Então olhei pela janela e vi o banco e achei que valia a pena registrar esse momento de vazio. Esta foi a primeira foto que fiz com o conceito de  Fotografia Contemplativa em mente. Numa foto postada dias antes (foto abaixo) a Bel Barbiellini comentou perguntando se era Miksang, e eu não sabia o que era isso. Fui investigar, descobri se tratar da  Fotografia Contemplativa, e gostei! Percebi que de certa forma já fazia isso, ou melhor, tentava, pois como fazer algo para o qual não temos sequer palavras? Essa nova ideia veio então responder a alguns velhos anseios dentro de mim. A troca, o contato com outras pessoas, fotógrafos amadores e profissionais, tem me proporcionado enorme aprendizado.

Esse novo olhar me mudou mesmo! E ao sair para fotografar, para criar novas imagens, agora vejo muito mais para fotografar, tenho a visão mais ampla. As coisas estão por aí, é preciso apenas prestar atenção e perceber imagens interessantes por toda parte!

Não há necessidade de reflexões sociais, crítica, pessoas, elementos que geralmente estão nas minhas fotos, e que prezo muito, mas às vezes fazer apenas imagens, praticar uma fotografia contemplativa, a busca por um olhar puro, é um ótimo exercício. Contemplar a realidade é contemplar a si mesmo.

Precisamos tentar nos desprender da cascata de reflexões, filtros, amarras e preconceitos sobre o que é belo, sobre o que é digno da arte, sobre a utilidade das imagens, e deixar o coração falar mais alto, fotografar o que nos chama a atenção, e deixar para pensar depois. Não tente ser um bom fotógrafo, seja um bom observador, veja a riqueza do cotidiano, desenvolva a criatividade, e será um bom fotógrafo!

Tento fotografar coisas simples, mostrando a beleza presente em tudo... mas faço isso com pouco sucesso, "porque me falta a simplicidade divina", como disse uma vez Alberto Caeiro (pseudônimo de Fernando Pessoa), esse sim, uma pessoa sábia e simples.

História da Fotografia Contemplativa

Chógyam Trungpa Rinpoché foi um Lama tibetano nascido em 1939 e avançado no estudo e na pratica das diversas disciplinas monásticas tradicionais, assim como à arte da caligrafia, da pintura em tangka e as danças monásticas. Aos 20 anos teve de deixar o Tibete devido à invasão chinesa. Após passar pela Índia e Inglaterra, no Canadá desenvolveu técnicas para passar os ensinamentos budistas através da cultura ocidental, especialmente das artes, como teatro, cinema e fotografia. Assim ele criou os conceitos básicos do que viria a ser definido como fotografia contemplativa. Mais tarde ele abandonou os votos monásticos, buscando uma maior proximidade com os alunos. Posteriormente seus discípulos definiram os conceitos da Fotografia Contemplativa. Saiba mais sobre ele em http://pt.wikipedia.org/wiki/Trungpa_Rinpoché .

O estilo  Fotografia Contemplativa

“Art in every Day life and every Day life in art”. Há evidentemente um estilo de fotos associado à  Fotografia Contemplativa. Mas na verdade  Fotografia Contemplativa é um método de treinamento do olhar, para podermos “ver mais claro, mais fresco”. Não é “o que”, mas o “como”, por isso qualquer contexto pode ser tema para a fotografia contemplativa. E qualquer resultado visual pode surgir. O estilo é, portanto, o estado de espírito.

Viver artisticamente é ter criatividade em tudo e saber apreciar os detalhes do comum. “Arte na vida cotidiana e vida cotidiana na arte” é o slogan da fotografia contemplativa.

"A arte da experiência meditativa poderia ser chamada de arte genuína. Tal arte não é construída para ser exibida ou difundida. Em vez disso, é um processo em perpétuo desenvolvimento no qual começamos a apreciar o que nos cerca na vida, o que quer que seja — não é preciso que seja, necessariamente, algo bom, belo ou agradável. A definição de arte, desse ponto de vista, é ter a habilidade de ver o caráter único da experiência cotidiana. A cada momento podemos estar fazendo as mesmas coisas — escovando os dentes diariamente, penteando os cabelos diariamente, preparando o jantar diariamente. No entanto, essa aparente repetição se torna única a cada dia. Surge um tipo de intimidade com nossos hábitos diários e com a arte neles envolvida. É por isso que é chamada de arte na vida cotidiana." (Chögyam Trungpa)

Sentimentos ruins, como ansiedade e expectativa, cegam, pois criam expectativas que não nos permitem ver o real. Mas se você vê o mundo de forma clara, suas fotografias serão claras, e o resultado realmente artístico. As coisas comuns podem ser belas e ricas. Mas, no entanto não olhe para elas tentando classificá-las como belas, especiais, etc. Veja apenas formas, cores, texturas, relações. A vida hoje é muito complexa, por isso busque sempre a simplicidade.

Assim devem surgir as seguintes características em suas fotos: claridade, definitivo, preciso, riqueza de cores.

Qualidade de vida

Fotografia Contemplativa é ver as coisas como são e conduzir a vida com o coração. O estado de mente contemplativo, por diminuir a ansiedade, resulta em qualidade de vida. Viver no presente e aproveitar o que é real pode causar um forte impacto na vida em geral que quem pratica. Para o budismo a maior ignorância e atraso para uma pessoa é não ter a visão clara.

Recomenda-se a pratica da meditação. Quanto mais espaço na mente, mais o mundo aparecerá original e claro para seus olhos.

Definindo o que é a Fotografia contemplativa

É importante ressaltar que realizar a fotografia contemplativa de forma pura não é fácil. O que propomos aqui é um desafio até para nós mesmos.

Pensando em termos de fotografia contemplativa, há duas formas de ver o mundo:

• Conceitual: é ver o mundo a partir de seus conceitos, necessidades, ansiedades e razão. É a forma “tradicional” de ver o mundo.

• Percepção: sem rotulação da realidade. Essa é uma nova forma de ver, mas que na verdade é natural, algo que já está em nós. Trata-se de ver apenas, sem a carga de julgamentos que normalmente colocamos como "filtro" da visão. Esta é a forma de ver da fotografia contemplativa.

A percepção aberta (para o sutil e complexo) permite uma visão mais clara sobre a riqueza do cotidiano, para ficarmos apenas no presente abertos para a emoção. A criatividade então pode nos permitir criar a fotografia realmente artística, a fotografia contemplativa. A arte não é se expressar, mas deixar que a realidade se expresse através de você!

Precisamos ver mais e mais fundo, aprender a ver mesmo sem câmera. É importante também aprender a “curtir” a solidão, ficar só, sem distrações, aparelhos de música, emails no celular, etc...

A fotografia pode ser uma forma de arte para expressar o cotidiano, e para trazer a arte para o cotidiano.

Conclusão

Aceitar o mundo é se encantar com o cotidiano. Perceber a inteligência da visão é expandir nosso campo de apreensão do mundo. Se abrir à experiência permite que nos transformemos. E agradecer é abrir o coração e os olhos.

Esse é um possível caminho para a pratica da fotografia Fotografia Contemplativa, e talvez para melhora da nossa qualidade de vida também.

“Na arte meditativa, o artista incorpora tanto o espectador como o criador do trabalho. A visão não é separada da operação, e não há medo de ser desajeitado ou de falhar em atingir a aspiração.” – Chogyan Trungpa

E lembre-se:

  • Busque a simplicidade.
  • Observe as cores, as formas, as texturas.
  • Olhe mais / fotografe menos
  • O importante é o fazer
  • Não se preocupe com regras
  • Se encante com o comum

Agora cabe a mim, e quem sabe a você também, tentar trilhar esse caminho e ver o que acontece.

>>> Próximo artigo: 02. Fotografia Contemplativa II - Como fazer

Referências:

BONDIA, J.L. Notas sobre a experiência e o saber da experiência. Rev. Bras. Educ., n.19, p.20-8, 2002.

GALLIAN, Dante Marcello Claramonte. Dá, pois, a teu servo um coração que escuta. Blog do LabHum, 2009 Disponível em: http://labhum.blogspot.com/2009/12/da-pois-teu-servo-um-coracao-que-escuta.html

KARR, Andy e WOOD, Michael. The Practice of Contemplative Photography: Seeing the World with Fresh Eyes. Shambhala Publications, Boston, 2011.

Site: Seeing Fresh - Contemplative photography by Andy Karr

(Artigo original: 2014 / Revisado em julho de 2018)

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Yuri Bittar

Sobre o Professor:

Yuri Bittar é fotógrafo desde 1998, designer (Mack) historiador (USP) mestre em Ensino em Ciências da Saúde (UNIFESP). É instrutor de Mindfulness certificado pelo Mente Aberta Brasil, e professor de Fotografia Contemplativa há 6 anos, tema sobre o qual desenvolve doutorado. Através da história oral, da fotografia, da literatura e outros recursos, tem buscado criar projetos mais próximos ao humano e que contribuam para a melhora da qualidade de vida.

"Acredito que a fotografia pode e deve estar presente no dia-a-dia, como trabalho, como expressão artística e como registro, e ainda como oportunidade para o relacionamento humano, para conhecimento e auto-conhecimento."

Mais sobre Yuri: www.yuribittar.com

Miksang - cores
São Paulo, 2013

 

Amarrações
João Pessoa PB, 2012

 

Vibrant Colors in my mind
São Paulo, 2012 - feita durante oficina com Andy Karr

 

Banco vazio, dia vazio
Banco Vazio (Yuri Bittar, São Paulo, 2010)

 

São Paulo, Itaim, abril de 2012
São Paulo, Itaim, abril de 2012

 

Miksang na Pompéia
São Paulo, Pompéia, 02/02/2013

 

Tele / Coisas de outras paradas
São Paulo, Santo Amaro, 2013

 

Velha janela
João Pessoa, PB, 2012

Miksang em SP
São Paulo, 2013

teXtura
São Paulo, 2012